Projetos e Passagens

Projetos e Passagens
Apresentadas no hall de entrada do edifício do Centro Britânico de São Paulo, as obras de Arnaldo Battaglini provocam a lembrança da preciosa herança construtiva, incorporada por artistas e arquitetos modernos.  A nova tectônica de estrutura em ferro vedada por panos de vidro foi inaugurada com a construção do Palácio de Cristal. Obra de um paisagista inglês, Paxton, que viveu no século XIX, em um tempo cheio de esperanças na industrialização. Mas o Palácio de Cristal trouxe definitivamente à luz exigências do espaço interior, valorizadas até hoje pelos habitantes das grandes cidades.
A imagem é oportuna no momento em que se dá o encontro da obra de Arnaldo Battaglini com dimensões do espaço ambiente, e por se tratar de espaço que propicia a leitura da sua transparência construtiva.
Os novos trabalhos de Battaglini assumem escala ampliada, passam a subtrair dimensões do espaço externo, a sua volta, e podem se beneficiar das relações proporcionadas pelo observador.
Cada desenho se configura ao ser posto no mundo. Uma vez disposto no espaço, institui um lugar, reinventa seu todo e se inclui por relações de pertencimento.
Penso que a proeza do Arnaldo é se atirar no domínio do aberto, para formar espaços-através.
Vale-se, sobretudo, do sentido de proporção e da precisão do gesto, preparados de longa data, no manejo artístico de várias escalas e suportes. Cito, no mínimo, a sensibilidade do risco que ele transporta pela gravura sobre o suporte bidimensional e o domínio orgânico da jóia articulada de pequeno formato.
Parece tirar proveito da visão do transeunte, que se desloca meio à pluralidade da grande cidade, seja Londres ou São Paulo. Nutre-se do olhar-ao-redor, abstraindo particularidades. A vista se desloca no ritmo da urbe. Atravessa superfícies, depara-se com vedações e tapumes.
A sobrevivência da arte, meio a polifonia urbana, exige concentração e foco. Arnaldo escolhe elementos mínimos, com máxima virtualidade.
Sua poética encontra na linha o principal meio de expressão. Como a linha é polivalente, ela delimita a superfície, transpõe espaços, estando apta a intermediar relações.
O desenho é suporte básico do pensamento visual. É também inseparável da razão construtiva e do domínio técnico que o define na materialidade do objeto.
De modo geral, trata-se de projetos para instaurar lugar e, também, passagens.
Entendo que as linhas lançadas pelo artista na conquista do espaço podem ser pensadas como croquis-objetos.  Guardam o teor projetual do esboço de idéias visuais, o olhar adiante. Desenhar no espaço segue sendo aventura utópica…
Os desenhos realizados com fios metálicos não ferrosos evidenciam a transformação da idéia visual em exterioridade.
Não se trata de raciocínio escultórico. Battaglini se dedica ao cuidadoso domínio de grandezas espaciais, inter-relacionadas com as dimensões físicas da sala, onde se localiza a obra. O espaço livre e aberto abrange a colocação do observador. No limite, faz alusões aos modos de representação do espaço na superfície bidimensional. As coisas se passam como se o desenho-construtivo comentasse o desenho-de-representação e vice-versa. Os jogos entre o olho e a mão, entre o ver e o manejar constroem essa possibilidade.
As obras comentam direções e proporções espaciais: Propõem o espaço livre e aberto, em várias direções, para a colocação do homem. Assim como: passagens abreviadas e espaços subtraídos. Lugares sem saída, dimensões intransponíveis. “Caminhos que não levam a lugar nenhum”.
Só uma motivação poética o faz encontrar na figura da escada um pretexto para o domínio da escala. É o que sugerem: de um lado, o sonho equilibrista sob o fio; de outro, a sensação dos degraus que conduzem ao mesmo lugar.
O croquis chamado 3D, que à primeira vista é um traçado projetual, logo se revela apto a incorporar a própria sombra, sob a luz da sala.
A proposição de sombras-escadas é mais desestabilizadora. As sombras-escadas estão dispostas de modo a construir o lugar vazio. Nestas obras, o desenho da escada se transforma num ente-objeto, de dimensão metafísica. Estranho rastro chapado ou sombra auto-portante não passam de imagens-fantasma. Nestas obras, o artista dispensa sua familiaridade com o desenho ideal – da matemática e da ciência experimental – , preferindo reduzi-lo à presença de coisa-objeto.
Battaglini instiga o observador sobretudo pelo modo como abre caminho, abrevia e superpõe dimensões. Surpreende também seu poder de inverter direções e sentidos. Afinal, clareza não exclui incerteza.
SP 15 jun 2004 Ana Maria Belluzzo